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Nome:
Armando Costa Naturalidade: Gralheira de Montemuro - Cinfães Modalidade desportiva: Boccia - Medalha de Ouro nos jogos Olimpicos de Atlanta |
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Excerto de uma entevista dada pelo Armando ao jornal "A
Bola"
OS JOGOS PARALIMPICOS DE ATLANTA
Nos Jogos Paralímpicos de Atlanta o Armando Costa competiu numa das modalidades, o Boccia, destinada a atletas com Paralisia Cerebral. Na variante de pares, fez dupla com José Macedo, afastando os norte-americanos na meia final por 6-5, venceram na final a equipa da Grã-Bretanha por 8-2, tendo obtido a sua primeira medalha de ouro paralímpica.
A experiência destes jogos foi extraordinária, como provam as palavras do Armando:
"A minha ida a Atlanta foi uma aventura única. Começo por contar as minhas aventura partindo do aeroporto onde tudo começou.
Foi no dia 11 de Agosto de 1996 pelas 20 horas que cheguei a Atlanta. Fiquei estupefacto com uma cidade extraordinariamente bela. Após alguns dias de adaptação, foi no dia 17 que tiveram inicio as competições.
De princípio tudo correu bem, do meu primeiro jogo saí vencedor derrotando o americano por 7-l, jogo este que me serviu de incentivo para a restante competição.
Nos quartos de final individual o mesmo já não posso dizer, tudo me correu mal, talvez fosse a ansiedade e estado de nervosismo que pesassem muito no momento e talvez fosse isso a causa do meu insucesso nas finais individuais obtendo o 7° lugar nas classificações. Em pares tudo foi diferente: eu e o José Carlos Macedo fazíamos uma dupla bastante forte, obtendo o l° lugar derrotando a Inglaterra por 8-2. O meu objectivo, ou melhor um dos meus objectivos foi alcançado. A obtenção de uma medalha de ouro era a finalidade de cada um de nós, embora eu o não tivesse alcançado individualmente, o facto de obter a medalha de ouro com o meu colega já me deixou bastante feliz e valeu-me para superar a minha infelicidade individualmente.
O topo de toda a sensibilidade foi sem dúvida a subida ao pódio onde todas as células do meu corpo estavam excitadas ao ouvir o nosso querido hino nacional, que nunca foi tão belo como naquele dia. A nossa missão como portugueses estava cumprida.
Agora aguardava-nos a chegada a todo o princípio que era Portugal. Connosco trazíamos catorze medalhas que pesavam muito no nosso esforço comum ou melhor colectivo, visto que todos tínhamos os mesmos fins e os mesmos objectivos a atingir que era honrar o nome do nosso Portugal."
O espírito vivo e a rapidez do raciocínio com que estrutura o discurso compensam a imobilidade quase total do corpo atrofiado, resultante da paralisia cerebral que os médicos lhe diagnosticaram há 23 anos, pouco depois de nascer.
Não obstante, Armando Fonseca e Costa é um campeão. Na vida e no desporto, de boccia, uma modalidade desportiva específica daquela enfermidade, muito semelhante à petança, mas praticado num campo de dimensões maiores. "O jogo", conforme explica Armando Fonseca ajudado pelo irmão mais novo, que lhe traduz a articulação difícil, esforçada e tantas vezes ininteligível -, consta de seis bolas vermelhas, seis azuis e uma branca. O objectivo é arremessar as bolas coloridas e fazê-las cair o mais próximo possível da bola branca .
As competições de boccia que, contrariamente aos outros desportos, são sempre mistas podem-se disputar individualmente e por equipas. Armando Fonseca destacou-se sempre nas duas variantes, desde que iniciou a competição em Viseu; no VII Campeonato Nacional de 1991.
Campeões diferenciados
De lá para cá, o palmarés de Armando Fonseca, onde pontifica a medalha de ouro dos jogos paraolímpicos de Atlanta, EUA, em 1996, faria a inveja a muitas estrelas desportivas que enchem, diariamente, as páginas dos jornais com os equívocos contratuais de milhões. Todavia, ao contrário daquelas, no firmamento onde Armando Fonseca exercita os seus dotes, os cifrões brilham muito menos.
'Tenho uma reclamação a fazer", -diz, algo agitado -'sou um atleta federado de alta-competição e, por isso, deveria ter recebido 5 mil contos, tal como os outros .atletas de alta-competição que foram medalhados nos Jogos Olímpicos. Porque, tal como a Fernanda Ribeiro, por exemplo, foi a muito custo e com muito trabalho que eu ganhei. Afinal, eu estou a competir com outros iguais a mim, o esforço desenvolvido é o mesmo".
Provavelmente, até chega a ser maior, uma vez que, sendo natural da Gralheira, Cinfães, uma aldeia plantada no alto de Montemuro, Armando Fonseca levanta-se, todas as segundas-feiras, às cinco horas da madrugada, para rumar ao Centro de Reabilitação de Paralisia Cerebral do Porto (CRPCPI, o local de treino, de onde regressa nas tardes de sexta-feira.
Parece-lhe, por isso, que "o Governo devia ter mais respeito e dar maior igualdade de oportunidades. Para mais, nos Jogos Olímpicos de Atlanta, os outros atletas, ditos 'normais', só ganharam duas medalhas e nós, os atletas que têm deficiências, trouxemos 14".
Ensino deficiente
A falta de oportunidades não se esgota na competição desportiva. Nessa prova maior que é a vida, Armando Fonseca vai descobrindo as desvantagens inerentes à sua condição. A formação escolar, que tanto almeja e lhe poderia garantir um lugar na sociedade enquanto pessoa activa e contribuinte líquido, foi-lhe negada pelo sistema.
Ainda criança, depois de ter ingressado na escola da área de residência, não a frequentou com regularidade por manifesta falta de condições. Mais tarde, cumprido o 9 ° ano na Escola Secundária de Cinfães, ficou-se por ali a sua carreira académica.
'Eu queria estudar, mas não me deixam" - acusa Armando Fonseca. "Só me deixaram estudar até ao 9° ano. Comecei em Cinfães, no 5° ano do currículo alternativo, mas ninguém me avisou que, chegando ao 9° ano, tinha que abandonar os estudos".
De facto, o Regime de Currículo Alternativo (RGA), ao permitir a dispensa de frequência e avaliação a algumas disciplinas cujos conteúdos gerais são alterados de acordo com as especificidades do aluno -, não contempla algumas disciplinas do currículo normal. Como o RGA não existe para lá do 9 ° ano, Armando Fonseca julga-se injustiçado, porque, afirma, "queria estudar pelo menos até ao 12.° ano". Mas, querer, infelizmente, nem sempre é poder.
Campeão com 23 contos
Se o corpo é fraco, o espírito é forte: o desânimo dilui-se aos fins-de-semana, quando regressa a casa, na Gralheira natal onde o aguardam, sempre, os pais - donos de três vacas e algumas lameiras - bem como os dois irmãos e três irmãs, que compõem, juntamente com a avó babada pelo neto, uma família feliz. Apesar da pensão miserável que Armando recebe - 23 contos por mês, mais um subsídio de oito contos para um terceiro que olhe por ele - amigos não lhe faltam. E juntam-se lá em casa, o edifício de granito com apenas uma assoalhada, para o verem, através da pantalha, a ganhar as medalhas que demonstram a excelência de uma espécie inteligente no todo da Criação.
ELMANO MADAIL